Era da não comunicação


Aquele homem sentado no banco é... o leitor do jornal diário.
Aqueles quatro homens sentados à volta daquela mesa são... os jogadores da sueca.
Aquela criança a brincar com o pai é... a filha do divorciado.
Aquela mulher a passear o cão é... a dona do labrador. 
Aquele casal a passear de mãos dadas é... o casal de idosos.
Aquele homem a apanhar as folhas do chão é... o jardineiro.
Aqueles jovens a trocar caricias são... o casal de namorados.
Aquela mulher que alimenta as pombas é... essa mesma.
Inacreditável! 
Sempre à mesma hora.
Sempre as mesmas pessoas.
São vários já os anos em que se encontram na Praceta do Jardim do Município e nem sequer sabem os respetivos nomes. Muito menos se conhecem. Vivem na era da não comunicação. Mesmo quando não estão agarrados à tecnologia, às redes sociais, não falam, não comunicam, nem fazem questão de se conhecer. Já não se estabelece contacto, ou se diz bom dia ou boa tarde ou se acena em modo de cumprimento. Nem se pergunta à criança qual é a sua graça e idade. Não interessa saber o segredo da longevidade do casamento daqueles idosos, como não é importante saber se a mulher que alimenta as pombas tem a solidão por companhia ou se o jardineiro se sente realizado e feliz na sua profissão. 
Hoje ninguém se interessa por trocar memórias e afectos. Vivencia-se a era da dessocialização. Vive-se num mundo virtual, onde reina o egoísmo: só interessa o que a mim me diz respeito, nada mais! Pratica-se orgulhosamente o isolamento: os outros não interessam, nem a sua vida. 
Por isso, por aquele jardim, vão pairando corpos humanos destituídos de alma e coração. Gente que nem sequer processa que um escritor não escreve para si, como um pintor também não pinta para ele próprio.  

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