Dias tristes

  

 

Tinha sido um dia chuvoso de Inverno - daqueles que nos colocam negritude e lágrimas no coração. Dias tristes, em que estamos taciturnos e nem sabemos bem porquê. Para Miguel era um desses dias, com uma diferença: ele conhecia as causas desse desânimo, não sabia era lidar com elas – e menos ainda com as suas consequências. O negócio (a convocar a insolvência); os subsídios de natal (por pagar aos empregados); o processo de responsabilidades parentais (sem decisão); o primeiro Natal sem os filhos; a mulher que era ex - sem ainda o ser (porque o divórcio não saíra); a solidão (a sua nova e exigente companheira).

Miguel jurara a si próprio que aguentaria, que resolveria, que tudo passaria. Sempre fora feito de aço. Tanto que já tinha passado na vida e sempre saíra incólume. Desta vez, não seria diferente. Era um verdadeiro crente em dias melhores - que teimavam em não aparecer: porque a porta da agência bancária se fechara – (não lhe cediam mais crédito); porque os trabalhadores queriam dinheiro para o bacalhau da ceia de Natal e para os presentes dos filhos (e ele sem cash flow); porque queria consigo, nesta época, os seus filhos (e não os teria). Com a cabeça em água e os olhos a navegar enfiou-se no carro, que o conduziu a casa do melhor amigo. Regressou à empresa. Reuniu os trabalhadores na fábrica. Um a um: pagou-lhes os subsídios. Não fosse aquele dia e Miguel teria respirado de alívio. Voltou a sair: foi até onde o automóvel o levou.

            Cinco da manhã: o telefone toca. Alguém do outro lado da linha balbucia chorando: o Miguel morreu. Suicidou-se. Ela entrou em negação. Procurou por ele vivo (nas urgências hospitalares e postos de polícia) - sem sucesso. 

Naquele específico dia, o aço fundiu e Miguel cedeu. 

 

Comentários

  1. Achei triste, eu e meu marido já passamos por situações difíceis como a do Miguel, mas Deus tem nos sustentado.

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