Declaração de Amor

 Olhava-a tão fixamente, que pensou que ele queria jogar ao sério. Depois, percebeu que não. Fitava-a com aquele olhar que arrepia e recorda-nos que somos donos de um coração que bate, sente e se emociona. Sentiu-se admirada; amada; especial. A verdade é que, desde que o vira pela primeira vez, aquele olhar exerceu sobre ela um fascínio indescritível. Nunca lho disse. Mas ele sabia-o. É que ela não conseguia ser discreta. Sempre transparente: o que sentia, sentia. Talvez ele gostasse disso nela. Não se sabe. Nunca lho disse ou sequer lhe deu a entender. Mas que a deve ter fisgado, ai isso deve!

Os olhos dele eram castanhos. Enormes. Apelativos. Sempre bem abertos - como querendo neles acolher todo o mundo. Aprisionavam-na. E quanto ela adorava ser prisoneira naquela jaula de doçura! Ambos ganhavam anos de vida naquele profundo fitar. Mas ela queria era roubar-lhe o léxico. Só assim saberia se estava certa a sua intuição feminina; se ele lhe queria mesmo dizer o que ela estava a sentir. Do alto das suas pérolas azuis, encheu-se de coragem e perguntou-lhe: porque a olhava assim. Só que ele nada! Nem uma palavra. No que ao verbo respeitava, ele estava sempre em quarto minguante. Mas ouviu-a com toda atenção, sem nunca parar de a mirar, em pose de estátua. A dada altura, contudo, sacudiu-se e ela iludiu-se. Ele abriu a boca e dela deixou escapar um latido gigante: Au- au. Au, au, au, au-au. Au. Au. Au. Auuuuuuuuuuu. E ela – toda – sorriu. Percebeu que era o modo que ele tinha de dizer que a amava. Aquela declaração de amor encheu-a de coragem. Então, disse-lhe: também eu te adoro cão.

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