Trânsito fatal


Manuel estava feliz. Antecipava uma bela noite de sono. Planeava para o amanhã um dia preenchido - iria passear o seu papa reformas. Muito seu: adquirido com enorme sacrifício. Foram precisos setenta anos de vida para o conseguir. 
O amanhecer ofereceu-lhe - em jeito de convite - sol e luz. Manuel agradeceu. Iria (com certeza) aproveitar para acariciá-lo sofregamente. Sentou-se ao volante. Acelerou devagarinho. Arrancou cuidadosamente. Conhecia bem aquele pavimento endiabrado - tantas as vezes que aí havia desfilado a sua Famel. Seria o dia comemorativo do seu papa reformas - havia de parar em todas as capelinhas; nada o poderia estragar. E, como um verdadeiro dia comemorativo que se preze, o regresso só se deu pela noitinha. Circulava pela Nacional 12 quando teve de acalmar o pedal para deixar passar um cão. Foi quando alguém lhe embateu na traseira do seu quadriciclo.

- Ó jovem, você não vê por onde anda? - questionou Manuel aquele intruso.
- E  você, ia a pastar porquê? Quase parado no meio da estrada - onde já se viu?
- Ó jovem, queria que atropelasse o animal?
- Qual animal, qual quê? Animal é você! Tem é idade para estar em casa, velho de merda! 
- Velho de quê? Animal? Olhe que eu tenho idade para ser seu avô!
- Meu avô, o tanas! Veja como tenho o carro todo lixado. Velhos de merda! Vêm para a estrada sem terem carta nem idade para conduzir - depois dá nisto. 

Manuel ficou sem pingo de sangue. Petrificado. Na sua cabeça só ecoavam as palavras: animal, velho de merda (...). Sacou da arma que guardara debaixo do assento do condutor - para o caso de lhe quererem levar o bólide - e disparou na direção do intruso. A bala (vestida de morte) hospedou-se no seu coração. 

  

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