Mau tempo na cidade

  

 

Uma torrente lavava (e sujava) a alma das ruas da minha cidade. Corria sem destino. Não sei se tinha hora marcada para a chegada ou se estava atrasada. Sei que seguia impetuosa. Cheia de pujança. Sem pedir licença. Do alto da sua superioridade avançava como uma amortalhadeira. 

Desnudava as árvores, algumas despedaçando – indiferente ao seu tempo de implantação. Fraturava vidros, transformava objetos em discos voadores, pessoas em marionetes.

Entrava nos prédios sem ser convidada. Abraçava as rampas e derrubava portões, invadindo os seus salões - que inundava. Escolhia a música que lhes dava. Imitava os coreógrafos de grandes bailados com a afamada e inusitada companhia dos automóveis – e como eles dançavam! Quantas figuras de proa criou! Mas da mesma forma que neles entrava, também deles se desconvidava e continuava como se nada passasse.   

Gerava rios revoltados. Encavalitava as ondas do mar criando oceanos descontrolados. Clamava por pérolas brancas provenientes do céu e fazia soar o toque de ordem para os ribombos. Desconstruía muros e pontes. À sua força não resistiam os bueiros. 

Impunha trancas ao ensino e ao comércio. Impedia a circulação. Fazia ilhéus, desempregados e despejados. Dispensava os homens do lixo, convocando os soldados da paz. Punha a fé em movimento e fazia apelo à (re)união.

            Tudo isto sucedia enquanto a danada se passeava. Mas quando ela parava, a humanidade só verbalizava: limpar, reparar, lavar, arrumar, realojar. Enquanto isso, pedia que se abrissem alas no meio da destruição e ordenava que os homens da limpeza passassem! Atrás de si, a malvada, deixava tudo para cuidar. E, insensível, era vê-la seguir viagem na direção de outras paragens para mais uma destruição.