Vida Bela

  

 

 

No asfalto era bem visível a travessia para peões, a qual era coadjuvada na sua função pelo trabalho dos semáforos e da iluminação pública. Mas, naquele dia, aquela passadeira e dois transeuntes tornaram-se invisíveis aos faróis de um camião e do seu condutor. Estes foram rapidamente transportados para o hospital Nossa Senhora do Socorro. O mais jovem, de dez anos, chegou sem vida. A mais velha, de quinze, em estado muito grave. Em delírio perguntava, sistematicamente, pelo irmão. Era tudo o que se sabia deles - não traziam nada, nem um simples documento de identificação. 

Nos tempos que se seguiram, foram capa das notícias do vespertino da cidade, com o destaque de procuram-se familiares. Sem sucesso. Ele foi enterrado como indigente. Ela ficou, repleta de mazelas, a viver na casa de saúde com as freiras. Estas apelidaram-na de Olvidada - Vida para as mais próximas. Quando Luisinha Bela entrou para os serviços administrativos, Vida tornou-se sua amiga.

            Anos mais tarde, o hospital ressentiu-se da crise económica. Os doentes, sem dinheiro, fugiram para o setor público. As religiosas voltaram para a respetiva congregação. E o paradeiro dos administradores tornou-se desconhecido. Olvidada foi, mais uma vez, esquecida. Abandonada. Luisinha, senhora de um açucarado coração, nem pensou duas vezes e levou-a para sua casa. As amigas diziam-lhe ter endoidecido: como podia tomar conta de uma senhora de cinquenta anos? Nada que lhe fizesse aflição.

Vida tinha perturbações no pensamento dificuldades na fala - sequelas do acidente. Nem conseguia chamar a amiga pelo nome. Por ser mais fácil, habituou-se a apelidá-la de mãe. Isso deu uma ideia a Luísa: tinha de adotá-la. Mas a lei não estava feita para pessoas de trinta anos adotar alguém de cinquenta. Então, Luisinha, empenhou-se em conseguir registá-la com o seu apelido e Vida passou a chamar-se: Vida Bela.  

 

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