Maldito!

             Amargo gosto o que ela sentia quando se cruzava, em modo fugidio, com aquele pedaço de vidro. Já o tinha tentado colocar no lugar daquele um outro partido, o que se evidenciou ser uma má solução. O reflexo de um e de outro eram igualmente negativos. Pelo menos, mais valia ter as coisas em condições.         

        Que raios! Como aquele naco de vidro era provocador! Desrespeitador. Enfiava-se-lhe pelos olhos dentro. Ainda que Maria tapasse os ouvidos com intenção de não o ouvir, o certo é que o ouvia com uma clareza aflitiva: anda cá! Porque não paras? Olha para mim! Tens medo de quê?

       Maria era conhecida pela sua genuinidade, por ser uma defensora acérrima da verdade. Mas nesta forma de vida, preferia que aquele pedaço de vidro lhe cortasse as veias, do que lhe escancarasse a verdade. A verdade com que ela não conseguia lidar.  Era o único caso em que Maria preferia a mentira. O raio do exibicionista: mostrava-lhe o pneu à volta da cintura; o duplo queixo, um braço que mais parecia uma perna e uma perna que mais pareciam duas.


        Era uma espécie de jogo do gato e do rato, em que o rato era Maria,  sempre a perdedora deste injusto jogo. 

Um dia, em que Maria desabafou os seus desgostos físicos com a melhor amiga e dela ouviu alguns conselhos. Definitivamente tinha de fazer dieta, de ir ao ginásio, de se cuidar, de se vestir melhor. Mas antes dessas mudanças, sugeriu-lhe começar por um corte de cabelo mais jovem e moderno. Maria, que já estava por tudo, foi à aventura e cortou-o. Chegada a casa enfrentou o monstro e, estranhamente, gostou do que viu. Com aquela mudança emergiu uma força dentro dela por que ansiava há muito. E esta foi a sua primeira vitória de muitas


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