Sonhar
- Para de sonhares acordada, rapariga! - gritou-lhe a mãe.
(Queria ela lá bem saber!)
- Olha que tens os bichos para pensar.
Raios de miúda, sempre com a cabeça na Lua - desabafou.
Eram seis filhas. Ela era a mais nova. As irmãs eram todas costureiras na fábrica. Rosa não queria nada com fábricas nem com costura; só desejava sorver livros. Quantos mais, melhor! Os da escola e os da biblioteca itinerante. As irmãs zombavam sempre dela, quando a biblioteca estava para chegar à terra.
- Lá vai ela. Olha que os livros não são precisos na usina! Nem a cabeça precisas de usar, só as mãos e os pés para te agarrares à máquina com vontade.
Rosa não se importava com os seus comentários jocosos. Nem se incomodava com queixumes à matriarca. Só queria absorver conhecimento.
- Ó Mãe, a Rosa está no quarto fechada agarrada aos livros!
- Ela que vá, mas é arrumar a casa. Só gosta de mordomias! Acha que vai ser doutora? Só se for doutora dos farrapos!
Mas Rosa sonhava. Via-se feliz, vestida de bata branca, no hospital, a tratar dos enfermos.
- Mãe, tirei vinte no teste de ciências.
- Já passaste a roupa a ferro? Olha que esta casa é de gente trabalhadora, rapariga. Nunca te esqueças disto.
O sonho de Rosa era solitário. Mas era tão dela que dele não desistiria.
- Quando acabares a escola vais logo para a fábrica como as tuas irmãs. Não penses que és mais que elas. - dizia-lhe, repetidamente, a mãe.
O que elas não sabiam é que Rosa já tinha tudo pensado, doesse a quem doesse: um emprego no restaurante da aldeia à noite e dinheirinho para pagar os estudos. Ia mesmo ser a primeira doutora lá em casa: a doutora dos doentes.
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