Divórcio antes do casamento

             Aquelas visitas dominicais, ao jardim quase secreto da sua cidade, oxigenavam-lhe o cérebro. Era um ritual que cumpria alegre e religiosamente. Vinha sempre de lá leve. 

Contudo, naquele dia, não pôde deixar de registar a estranheza do quadro com que se deparara: sentada num banco do jardim, uma noiva. O branco do seu vestido e do seu véu confundiam-se com a cor do assento. A destoar, daquela pureza, o ramo de flores de cores garridas. 

António, curioso, olhou em volta e não viu o noivo ou os convidados. Pensou que deviam estar na capela. Foi até lá, mas não encontrou ninguém! A capela estava fechada. Voltou para trás. Agora, no banco do jardim, estava apenas o bouquet da noiva abandonado. 

Uma série de questões invadiram-no: o que levaria uma noiva até ali vestida a preceito e sozinha? Porque abandonaria o seu ramo de flores? 

António perdeu-a por momentos, os mesmos que demorou para a reencontrar. Chamou-lhe a atenção o contraste entre o branco do vestido e o castanho do tronco da árvore onde ela se encostara, cabeça entre as mãos, pensativa. Ele ganhou coragem e aproximou-se. Ouviu-a falar ao telefone com a mãe.

- Não digas nada a ninguém, quero ser eu afazê-lo quando lá chegar. Só te sei dizer que recebi um WhatsApp hoje de manhã bem cedo. O que dizia? Mãe, cancelava o casamento. Mas a festa mantém-se, mãe. Pode não haver casamento, mas haverá convívio entre todos. O que vou dizer? Sei lá, que me caso comigo mesma. Está tudo pago e contratado, não está? Não é por ele faltar que não vai haver festa.

António, interiorizou que, em qualquer lugar, se pode aprender uma lição de vida. Sentiu, ao mesmo tempo, pena e orgulho daquela jovem mulher. Sabia-a ferida por dentro - apenas corajosa por fora. 

Comentários

Mensagens populares