A dor da perda

         Primeiro: o irritante toque do telemóvel. 

         Depois: as palavras proferidas por aquela estranha voz. 

           Seguiu-se o choro descontrolado e os gritos lancinantes; a incredulidade; a desorientação; a descrença; o desespero; a tristeza; a dor – sim, essa presença constante desde o momento inicial. E veio a interrogação - porquê a mim, a nós. Mas era hora de reunir forças e encarar a realidade.   

Foi nesta mescla de estado de espírito que ela se dirigiu para lá – nem sabe como conseguiu.  Chegou com o coração saltando-lhe do peito. Perguntou onde estava. Responderam-lhe: piso nove. A custo, as suas pernas movimentaram-se, mas o elevador nunca mais descia! Raios o partam! Logo havia de parar em todos os pisos! Finalmente no nono andar. Dirigiu-se à primeira pessoa que lhe apareceu à frente. Aflita, perguntou por ele. Acompanharam-na. Foram três ou quatro metros – pareceram-lhe quilómetros. Uma desconhecida olhou-a de frente, pousou-lhe as mãos nos ombros e disse-lhe que tinha de ser corajosa. Ela entrou e olhou à sua volta. Não, não era ele! Não podia ser. Envolto em dezenas de fios, a face completamente deformada, a cabeça ligada, os olhos fechados. Quis saber o que lhe fizeram. Apontaram para a autoridade ali presente. O homem fardado informou-a que tinha sido um atropelamento na passadeira. Ela indignou-se. Quem vê alguém numa passadeira e não pára? Quem? Ela queria saber! Mas essa preocupação tinha de ficar para depois. O médico pediu para falar com ela com urgência. Perguntou-lhe pelo marido - que estava a chegar.


Tem dias que as palavras pesam horrores e o léxico atropela-se: dez anos, morte cerebral; situação clínica irreversível; doação de órgãos; decisão urgente. É como se as palavras mais sombrias viessem com íman: desligar as máquinas; morgue, autópsia; funeral; cremação. 

Comentários

Mensagens populares