Pobreza envergonhada

  

Miguel, do sofá da sala, fez a sua esteira de descanso para a sesta. Eram duas da tarde. O tempo sobrava-lhe. 

Raios de sol beijaram as janelas e sem pedir permissão entraram. Sabiam bem onde iam e o que queriam. Enfiados sala adentro, enrolaram-se no corpo dele, aquecendo-o. Miguel, em modo de agradecimento, espreguiçou-se. Olhou através das janelas, pousou os seus cotovelos no parapeito de uma delas e pôs-se a namorar o astro rei. Manteve-se assim largos minutos, numa de ora te namoro, ora me deleitas. O que ele não dava para, naquele momento, parar o tempo. Mas o maldito relógio não estagnava!  E o mesmo sucedia com os seus olhos. Depois de darem um sem número de voltas ao sol, fixaram-se naquele quadrado verde – ou antes, no homem que o abria. Miguel sentiu-se desconfortável quando o viu retirar o peixe estragado que ali tinha colocado depois de almoço. De imediato, virou as costas ao sol sem dele se despedir. Dirigiu-se à sua dispensa e ao seu frigorifico, de onde retirou bens alimentares que encheram um saco de compras. Com ele na sua mão, desceu as escadas da sua casa a correr e abriu a porta - mas aquele estranho já se tinha afastado. Miguel não desistiu, decidido que estava em cumprir a tarefa para que se tinha autodesignado, pelo que, pôs-se a correr atrás daquele enigmático ser. 

- Senhor, desculpe incomodar! Não pude deixar de o ver retirar coisas daquele caixote. Trouxe-lhe estes bens alimentares e peixe fresco também.

O estranho, vestido com a roupa mais suja e transbordando um cheiro nauseabundo, virou-se, dizendo-lhe:

- Obrigado! Mas só vim aqui buscar comida para os meus pobres gatos.

Miguel fingiu acreditar. Mas, no seu íntimo, sabia que a pobreza, para além de envergonhada, às vezes, é também orgulhosa.

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