Elogio fúnebre à Morte
Caríssimos Presentes:
Hoje estamos aqui todos reunidos, neste difícil e
doloroso momento, para o qual fui auto convidada:
- O enterro da Morte.
Juro que tentei - de todas as
formas e feitios - que a escolha para fazer o teu Elogio Fúnebre
recaísse sobre outra pessoa.
Alguém mais indicado para o
efeito que eu. É que a minha boca tem um defeito terrível, corre sempre para a verdade;
facto que não é de todo conveniente e apropriado nesta situação.
Não obstante, tocou-me a mim.
E por isso, aqui estou eu.
Eis-me.
Tal como sou.
Não ignorando que num elogio fúnebre é suposto falar das
qualidades do defunto, assim como, da sua obra, do seu passado. Tal facto, como
bem perceberão os presentes dificulta, ainda mais, a minha já de si difícil
tarefa.
No entanto, sem medo, farei o elogio que – em
consciência – entendo dever fazer.
Quais as tuas
qualidades Morte?
- Lamentavelmente,
não te reconheço nenhuma.
É que se eu, ainda,
acreditasse na reencarnação, na vida para além de
Ti – Morte –
poderia até fazer-te um elogio brilhante.
Mas não.
Não acredito.
Está para
além das minhas capacidades de compreensão.
É verdade que
também não acredito na quimera da imortalidade, senão não teria aceite sequer fazer
o teu elogio fúnebre.
Por isso, Caríssimos presentes, o que direi poderá
causar-vos indignação e espanto. Enfim, eu já vos tinha dito que esta difícil
tarefa não me devia ter sido (auto) incumbida.
Contudo já que o foi, quero-vos confidenciar, neste
momento tão especial, que coincidiu, para mim, com o términus da leitura de um
livro de um autor espanhol, Rafael Santandreu, um psicólogo de Barcelona que
definiu - a Ti Morte – como sendo a inevitável, mas ao mesmo tempo, um
facto natural e positivo.
Porém- não és tu em
mim - que me causas preocupação.
E eu, não
sou psicóloga, como aquele autor.
Vejo-te, outrossim, à minha frente, apenas pela
perspectiva do ser humano que sou.
E digo-te:
- Não gosto nada do que vejo.
Não gosto mesmo de ti.
Porque me tiras o sono.
Porque me causas sofrimento.
Porque fazes sofrer os que eu amo.
Porque o teu sofrimento me rasga a alma e me corrói o
coração.
Porque me roubas quem eu mais amo e, ainda, o fazes
das formas mais
ignóbeis possíveis.
Porque apareces, sorrateiramente, sem anúncio ou aviso,
como que
querendo brincar às escondidas.
Para só depois abrires o teu peito e te mostrares; quando
já nada há a fazer, a não ser muitas vezes aguentar a dor de quem está a morrer
e de quem vê morrer.
Por isso, a tua partida não me deixará saudades.
Não te consigo ver, como Rafael Santandreu, como a irmã gémea da Vida.
Quisera eu.
Pudera eu.
Pelo contrário, posso até afirmar – com toda a
certeza- que te odeio de Morte.
Por isso, Adeus Morte.
Infelizmente, até qualquer dia.
Texto da Autoria de Lurdes Mesquita Babo
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