Vai de retro, Satanás.



Era domingo, acordei e decidi ir à missa.
Não sei que impulso me deu; logo eu que já não ia a uma missa há anos.
Logo eu, aquela das dúvidas e interrogações.
Mas, ainda eu a das luas.
Por isso, deu-me para ir e fui.
A Igreja estava cheia de fiéis, facto que me fez, de imediato, pecar.
A Inveja, ai... a Inveja.
A minha descrença, ao contrário, da crença deles.
A minha ausência, ao contrário, da presença deles.
Eu que até fui educada na religião católica, tendo andado vários anos num Colégio de Freiras.
Só depois de já estar na Igreja é que reparei que se tratava de uma cerimónia religiosa.
Um casamento católico.
Estavam todos os fiéis muito aperaltados, condizentes com a dita celebração.
Os noivos lindos e felizes.
As leituras da celebração da eucaristia, no ambão, foram feitas por familiares e amigos.
Prestei atenção.
Leitura do Livro do Génesis:
“...Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora que lhe seja idónea ...”
Mau...aí vem ela, a minha costela jurídica; não a vou conseguir evitar.
O homem não pode estar só? O homem tem de ter ajuda? E a ajudadora tem de ser mulher?
Faria mais sentido assim:
“Não é bom que o homem ou a mulher estejam sós; serão mútuos e idóneos ajudadores”.
Xô- pedi eu a mim mesma.
Saiam daqui seus pensamentos ignóbeis.
Vai para longe, Satanás.
E tu – falei de mim para mim – concentra-te na parte das leituras que te fazem sentido.
(Re) concentrei-me.
Seguiu-se a Leitura do Livro dos Provérbios:
“Álefe. Mulher virtuosa, quem a pode achar? Pois o seu valor muito excede ao de jóias preciosas”.
Hum...parece-me que não percebi - pensei.
A Igreja compara o valor de uma mulher virtuosa ao de jóias preciosas??!!
E é difícil encontrar – mulheres – virtuosas?!!!
Mulheres?!
Homens, não?!
E como se define a virtude de uma mulher?
Como se faz a comparação, na prática, entre essa virtude e o valor das jóias preciosas?  E o que é a virtude de um homem? Comparável a quê, com quê?
Caramba!- voltei a virar-me contra mim.
Concentra-te nas demais partes das leituras. Não te escutas?!
Raios, parece que o meu cérebro é feito – exclusivamente – de pontos de interrogação.
(Re-Re) concentrei-me.
As leituras seguiram o seu trajecto definido.
“Bete. O coração do seu marido confia nela, e não lhe haverá falta de lucro.
Guímel. Ela faz-lhe bem, e não mal, todos os dias da sua vida.
Dálete. Ela busca lã e linho, e trabalha de boa vontade com as mãos.”
Vá, assim fica difícil, senão impossível a minha concentração acrítica.
Ela?! Ela?! Ela?!
E se ele desconfiar dela – como tantas vezes sucede – sem razão. Por ciúmes doentios, ciúmes até da própria sombra. Já não há lucro? Não lucra o quê? Há o quê, então?
Pára - quis impor-me a mim própria, sem sucesso.
Concluí:
Sou como sou.
Tenho até pena que este ponto de interrogação em forma de gente, chamado eu; seria – certamente - muito mais feliz se assim não o fosse.
Podia ser antes do tipo:
- Ou crês ou não crês.
Ponto.
Mas se o fizesse, estaria a desrespeitar-me.
Pior, desrespeitaria Deus, se cegamente nos enganasse, ignorando as questões que me assolam a mente, que me fazem questionar e me deixam sem resposta.
Acima de tudo, o respeito por mim e pelos outros.
E por Deus.   





 Texto de autoria de Lurdes Mesquita Babo

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