NÃO HÁ ESPAÇO NO ESPAÇO


As mãos, estranhamente, tremiam.
Era de manhã.
Supostamente uma manhã como outras, das muitas que vinham a suceder.
Foi honesto.
Avisou.
Disse-lhe que não viesse, que se deixasse estar.
Apenas porque manhãs e dias como aqueles não interessam a ninguém, muito menos a ela interessariam.
Queimava-lhe o intenso desejo de ficar apartado do mundo, reclinado no seu leito, como vinha acontecendo. Sozinho.
E porque raios não lhe reconhecia ela ser este um direito seu?!
Só que, de quando em vez, malogradamente, por azar da vida, ele era dado à adivinhação.
Nessa manhã, ela confessou-lhe um outro lado, até aí oculto, o lado da gritaria a plenos pulmões. Facto que lhe agravou aquele estado trémulo matinal.
Como se vociferar fosse capaz de mudar coisa alguma?!
Conheceu-lhe – então - um lado que nunca lhe tinha sabido, nem ela o tinha desvelado em décadas de coexistência.
Presente especial, só para ele.
Inesquecível manhã e momento.
Ela pediu desculpas.
Ele generoso deu-lhas todas.
Acenando repetidamente a cabeça, para cima e para baixo.
Afinal, mesmo sem gritos, não havia assim sempre sucedido?!
Trocá-los-ia, de bom grado, por um abraço sentido e profundo, como outrora sucedia. Nada mais.
E seria tão bom.
E o mar revolto acalmaria.
Trocaria tudo por aqueles beijos intensos, sorrisos abertos, cúmplices brincadeiras, tal como - em tempos idos - tanto permutaram.
E o mar revolto sumiria.
Mas – hoje - a palavra amor tem sentido único.
Como alguém diria: não há espaço no espaço; não há mais espaço para aquele amor.
Seja de que tipo.
Seja de que espécie.
Nesse instante, o telemóvel dela tocou:
- Olá, Amor?!- ouviu ele.
E o mundo virou para ela, no imediato, Carnaval Brasileiro e Happy New Year.
Ainda não tinhas percebido quão a mais estavas?! – pergunta mascarada de confirmação.
Estranhamente, as suas mãos, pararam de tremer.

Texto de autoria de Lurdes Mesquita Babo

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