Coragem versus Desistência

Que seca, estou farta desta aula – pensou Maria, enquanto o professor de
Filosofia debitava matéria.
Seguindo a onda da própria disciplina abstraiu-se. Por momentos,
espiritualmente, saiu da sala. Não se recorda por que caminhos andou.
Recorda-se de aí ter voltado quando se apercebeu da divisão da turma em duas facções. Debatiam ideias sobre as posições quanto ao suicídio, dos Filósofos Nietzsche e Schopenhauer. Discutiam o que na altura até lhe pareceu ser mais próprio da disciplina de Português, “coragem” ou “desistência”. 
Por isso, deliberada e conscientemente, reeingressou na aula. Português até era a sua disciplina favorita. E o tema agora era bem interessante a ponto de lhe ter invadido, por várias vezes, a sua mente e o seu espírito.
Como interessante era a posição de Schopenhauer- pensou Maria.
O suicídio como afirmação da vontade de viver da pessoa e não como a sua
negação. Ela gostaria de viver se pudesse fazê-lo com satisfação. Mas as
circunstâncias da vida são como são e demasiado fortes para quem toma tal
decisão ou acto de vontade, como Schopenhauer lhe chamava.
Incrível a posição de Nietzsche- pensou Maria.
Apesar da sua filosofia de amor à vida era a favor do suicídio no momento certo. Defendia que quando um homem se suprimia a si próprio fazia a coisa mais digna de respeito. O erro do seu nascimento poderia assim ser corrigido.
Por momentos, Maria, “sorriu” da discussão à volta do léxico português na sala de aula.
Desistir pareceu-lhe, de facto, a expressão adequada. Aquela que procurava já há algum tempo.
As desilusões pesavam e muito. 
Não se revia naquele mundo. 
Não reconhecia as pessoas: o seu modo de falar, os seus gestos, o seu pensar. Em décadas de existência aparentaram ser de uma forma e agora revelavam-se outras.
Gélidas.
Irreconhecíveis. 
Excluindo em vez de agregar.
Uma vida inteira de sentido único dedicada a elas.
Tudo por elas.
Elas que afinal não eram elas.
Estas eram as circunstâncias actuais da vida de Maria.
Demasiado fortes.
Perante elas, desistir era sim a palavra certa.
Ou seria antes, coragem para seguir adiante?


Texto de autoria de Lurdes Mesquita Babo

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