O Gerador da Felicidade

Entrou em casa e viu-a plena de escuridão de mãos dadas com o silêncio. Pudera! Já passava das três da manhã. Só aquelas doidas para a fazerem chegar a tal hora!
          Se na escuridão estava, depois de entrar, nela continuou.
Sorrateira e cuidadosamente subiu os degraus das escadas sem tocar num único interruptor de luz. Pareceu-lhe uma eternidade.
Mas no escuro, realmente, nada é o que parece.
Tacteando, pé ante pé, conseguiu alcançar o primeiro andar. Dirigiu-se aos aposentos do seu cão onde este dormia o sono dos justos. O faro fez com que ele levantasse o sobrolho e a mirasse de soslaio. Primeiro, em jeito de reprovação, depois em modo de contentamento ao sentir aquela mão pêlo afora. Esperneou-se todo, o malandreco, pedindo bis. Mas quem o recrimina por gostar de afagos? Rosnou quando ela saiu. 
Nada de novo no reino canino.
Seguiu-se a sala de estar. 
Descalçou-se e mergulhou no sofá. Assim roubou uns minutos de completo sossego e abstracção. Ao mesmo tempo que repousava o seu esqueleto cansado da saída nocturna mas também do marchar da idade.
Nova escalada à vista. Desta feita ao segundo andar, sem queixumes, em face do descanso.
Dirigiu-se então ao quarto da filha que dormia profundamente. Aconchegou-lhe a roupa bem junto ao seu jovem corpo. Beijou-a vezes sem conta. E paralisou, uma vez mais, com a beleza dos traços daquele rosto. Ficou ali, só a olhá-la. Como era linda! E era sua filha!
Finalmente nos seus aposentos.
Na cama, o marido repousava. Nem deu pela sua entrada. Ela meteu-se entre os lençóis enroscando o seu corpo no dele, beijou-o e disse-lhe em surdina, “adoro-te, até amanhã".
Naquele momento, a escuridão da sua casa como por magia virou luz, de tal forma intensa, que ela chamou-lhe luz da felicidade.



                 Texto da autoria de Lurdes Mesquita Babo.

Comentários

Mensagens populares