O Tango de São João

Era um início de tarde solarengo, provando ao mundo que o Porto não é a cidade cinzenta que apelidam. 
Vivia-se uma azáfama própria dos dias que antecedem a festa popular do S. João. 
Numa rua da baixa, na conhecida Sá da Bandeira, uma mulher aproximadamente de 60 anos, típica vendedora do emblemático e intemporal mercado do Bolhão, facilmente identificada como tal pelas suas vestes, subia-a apressadamente. Saia comprida, chinelos e o seu imprescindível avental com bolso, onde guardava o dinheiro de um dia de labuta que cedo havia começado.
Zira, como era conhecida, regressava à sua banca de flores depois de meter a correr uma bucha à boca e de colocar na mesa o comer aos netos, enquanto a filha tinha ficado a tomar conta do negócio. 
Vinha toldada pelos seus pensamentos matemáticos, únicos que tinha aprendido, contas de somar, para logo  dividir e subtrair. A vida, dura, madrasta, nunca lhe deu oportunidade de aprender as de multiplicar.
Uma jovem estudante na casa dos 20 anos, descia-a em passo acelerado. Ia apanhar o metro na Avenida dos Aliados que a levaria à faculdade. Como estava furiosa com a insensatez dos seus professores. Todos os anos o mesmo! Aulas, exames, frequências na ocasião dos festejos!? 
Eis quando, Zira e Tina, embatem frontalmente
Ambas, em plena sintonia, dão um passo atrás. 
Ficam frente a frente. Entre elas uma espécie de espelho refletor.
Tina dá um passo para a direita, o que a outra também faz. Depois as duas dançam para a esquerda. 
Zira, na sua genuinidade tripeira, bairrista e fazendo jus à sua profissão, põe as mãos nas ancas e grita-lhe:
Fhonix pró tango menina! Logo em tempos de S. João!
Ao que Tina retorquiu:
Ora, faça de conta que estamos a treinar para as marchas.  
De imediato, ambas vestiram os respectivos sorrisos de gargalhadas sonoras. 
Cada uma seguiu depois o seu destino, orgulhosas do local a que pertenciam. Desta feita, com a festa popular que já não lhes saía da cachimônia.


Autora: Lurdes Mesquita Babo.

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