AMAR

Ela era uma menina-moça. 
Adolescente ou pré-adolescente, como sói agora dizer-se.
Apesar da sua juventude, encarava a vida – sempre - de frente.
Em situações típicas desta, ela como outros jovens da sua idade, também olhava para os lados.
Um dia fê-lo e gostou do que os seus olhos alcançaram à primeira vista. 
Para logo desgostar. 
Quem se achava ele para troçar com as suas calças, in moda, azul fluorescente?
Ela perguntou a quem a acompanhava sobre a espécie: aluno novo do 11.º ano de escolaridade e comprometido.
Toca a olhar em frenteé assim que és, é assim que ages
Riscou – duplamente – este momento da sua vida: pela diversão à sua conta na presença de amigos de ambos e porque ela nunca quis nada que fosse de outrem, nem nunca o quereria.
E assim, na ocasião, não houve sequer espaço para a amizade. 
Mas, apesar de ela olhar em frente, foi a vez de ele começar a olhar para os lados. 
Sempre que passava por ela tinha algo a dizer. Na ocasião chamavam-lhe piropos, hoje intitulam-no de assédio.
Ela ouvia e calava. 
Até um dia em que explodiu e atirou-lhe: que ganhasse vergonha, juízo ou não fosse mais velho e comprometido! Pelos vistos já não era. Mas ela não quis acreditar e continuou em frente o seu caminho. 
Quiça, por coincidência do destino, almoçavam no mesmo restaurante. 
Em todos os almoços ele exibia o gosto pela leitura do jornal diário. 
Não se pode negar que era um gosto que a ela lhe agradava. 
Até que, alguém que com ela almoçava chamou-lhe a atenção para a particularidade
daqueles jornais: as folhas tinham um buraco por onde ele espreitava na sua direcção.
Uma espécie de telescópio. 
Era um tipo de olhar que ela desconhecia mas que a fascinou.
A primeira vez que o descobriu nem ela, nem quem o detectou, conseguiram disfarçar as gargalhadas que a situação lhes causou. 
A partir daí conversaram e conheceram-se . 
Nada de especial: de onde és, para onde vais, tens namorado, tens namorada (ele insistia já não ter). 
Partilhou com ela uma dor imensa que a deixou paralisada e indignada com a vida. Ninguém tão jovem merecia passar por tal, concluiu ela. 
Então tornaram-se amigos. 
Como tal passaram a ir tomar café, passear, aos bares, discotecas...
Até que um dia surgiu o pedido de namoro, aceite e selado com um beijo, ao som da música ainda hoje apropriada como sendo deles.
Hoje estão juntos vai para trinta e nove anos. 
Nove de namoro. 
Quase trinta de casados.
Não sem passarem ao longo deste tempo por tormentas, ventos e tempestades.
Mas tudo ultrapassado por um amor tão grande que só podia gerar um ser maravilhoso.
Eis que o duo passou a trio. Neste trio, os elos familiares foram sempre tão fortes que por pior que o momento fosse, os corações estavam sempre cheios de amor para partilhar, mantendo-o assim em equilíbrio há tantos anos.
O amor só resiste com entrega plena, cedências, manifestações permanentes de carinho, entreajuda e confiança mútua.
Gente, é tão bom amar e ser amado.
Nada como tentar.
Obrigatório: deixar o supremo orgulho e o egoísmo de lado.


Autora: Lurdes Mesquita Babo.

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