Há sempre outro caminho

Joana estava a deliciar-se com o pequeno-almoço. 
Pensava como era bom assim estar numa esplanada coberta, num dia chuvoso de Inverno, ouvindo aquele pé-de-água e a rebentação das ondas do mar. 
Estranho era aquele homem que estava à beira-mar com um tempo tão aziúme.
Porque o faria?
Quão intrigante era!
Aquele homem encharcado tinha nome: António. 
O que Joana não sabia, nem via, era que as bátegas da chuva se confundiam com as lágrimas que saltavam dos orifícios visuais de António..
Também não lhe conseguia ler os pensamentos e as palavras que lhe saíam doridas, nuas e cruas:
- Todos me abandonaram: mulher, filhos, família, amigos. Não tenho ninguém. Só responsabilidades. Não tenho a quem lançar raízes ou estender a minha mão pedindo socorro. Não fora isto, quiçá encetasse nova viagem. Será que fui uma “besta mor” toda a minha vida? Só pode.
Por isso, mar vim ter contigo. Sei que me vais ouvir. Desejo que saibas que não tenho por onde ir, a não ser em frente. 
Ainda assim, vejo duas saídas. 
Inspirei-me na Bíblia. 
Uma é a da separação das águas.
Se eu entrar e as tuas águas se separarem, ficarei a saber que há uma fuga desta ideia fixa de que o meu fim chegou.
Mas se tal não suceder, é porque me dás razão. Morrerei, cometendo o ultraje de tirar vida, ainda que seja a minha própria.
António levantou-se, qual toiro enfrentando a última estocada!
Ao vê-lo levantar-se, Joana suspirou de alívio. Por pouco tempo, diga-se. 
António começou a caminhar mar adentro. 
Joana via-o cada vez mais longe. Aí fez-se-lhe luz. Saltou a esplanada e correu desenfreadamente. Entrou no mar gélido, debaixo do dilúvio, nadou e agarrou António, removendo-o da água. Não desistiu dele, até ele acordar. E, ao olhá-la, ele balbuciou algo (que ela não entendeu): afinal havia uma terceira saída.

Autora: Lurdes Mesquita Babo

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