Se não fosses tu Mãe, o que seria de mim!


Já fui a tantos.
Custa-me sempre, mas como este...
Um caixão aberto. Tu lá: linda como sempre. 
Encostada a este, uma cadeira. Sentada nela, a tua doce Mãe, há quase dois dias debruçada sobre a urna. Afagando-te os teus belos e longos cabelos pretos. Beijando-te incessantemente. Chorando, permanentemente, baixinho. 
Tal e qual como quando chorava contigo, enquanto lutavam, durante mais de dois anos… 
Bem dizias: se não fosses tu Mãe, o que seria de mim!
Também eu chorei a falta do teu longo e genuíno sorriso.
Não consigo (nem quero) tirar o olhar da vossa fotografia, no jogo de futebol do nosso clube.
Quanta cumplicidade! Que sorrisos tão belos! E já o bicho já se passeava em ti… Maldito!
E vós sempre fortes vivendo, ignorando que o maldito era como um relógio, que ditava o tempo de vida terrena que te sobrava . 
Valentes Mulheres do Norte!
Quem se julga ele para ter ousado separar-vos?
Raios, tinhas só quarenta!
Quanta injustiça!
Na capela mortuária ao meu lado segredavam:
- Estás a ver aquele? Foi namorado dela muitos anos. Deixou-a pouco depois de saber do cancro. Vive agora com uma brasileira.
Pensei:
- Viste o teu corpo invadido pelo bicho fatal e, nessa fase, tiveste ainda que lidar com a perda de um amor de longos anos?
Continuei o meu monólogo:
- Vergonha de bicho homem!
Ai como ela linda: vejam é a minha namorada!
Ó, ela agora tem cancro, não a quero mais! Sessões de quimioterapia? Cabelo a cair? Isso não é para mim. Quero viver a vida!
Pois sabes, minha querida, mesmo dentro do caixão continuavas bela, ao contrário dele. Envelhecido pelo tempo e pela vergonha estampada na cara. Correu toda a tua família, distribuindo peso na consciência no lugar de sentimentos.
Malditos bichos!
Se pudesse, aniquilava-os a todos!

Comentários

Mensagens populares