Filhos desta era.


- Queres ir tomar um coffee, logo à noite às nove? – convidei-a.
- Ok. Pode ser. Mas tens de me vir buscar a casa. – assentiu, em modos que de exigência.
Já nem relevo. Ela é a Maria. Ponto final parágrafo.
- Maria, desce. Estou cá em baixo à espera. – disse-lhe ao telemóvel.
- Já vou a caminho. – respondeu.
- Olá Maria, tudo bem? – perguntei-lhe.
- Olá e contigo? – respondeu-me.
- Levando. – disse-lhe.
- Igual por aqui. – respondeu-me na sua habitual forma sarcástica.
- Então ainda bem que vim hoje. E cá com um projecto! Vou levar-te a um local muito especial. Conheces o Circle Hotel? – questionei-a.
Circle Hotel? Que raio de nome!
- Chama-se assim por ter uma piscina em forma circular. Abriu há pouco tempo na cidade. Tem, para além da piscina, um bar muito giro. Vais gostar. – disse-lhe.
- Ok, se tu o dizes... – respondeu-me.
Liguei o carro, engrenei a primeira velocidade e arrancamos estrada fora. Pelo caminho fui abrindo o jogo.
- Maria, não te vou mentir, hoje queria muito falar contigo. – disse-lhe.
- Ai querias?! E porquê?! – perguntou-me de imediato.
- Já falamos. Chegamos. Que tal te parece o aspecto exterior do Hotel? – quis saber a sua opinião.
- Parece giro. – respondeu-me.
- Bora lá, bazar daqui para o bar. – sugestão minha mascarada de ordem.
 - My God, como está cheio! – replicou Maria ao entrar.
- Calma, Maria! Vê como é giro. Olha tanta gente animada. Vivendo. Tranquila. Pedimos a nossa bebida e vamos até à piscina. É Inverno, não está lá ninguém pela certa. Estás agasalhada? – quis saber.
- Sim, estou. – respondeu-me.
Enquanto isso chamei-lhe a atenção para o contraste da decoração do bar, com os estilos antigo e modernos coligados, sobre como aquele jogava bem. E sobre os pormaiores dos candeeiros, gigantes, cheios de curvaturas e inúmeras lâmpadas pequenas. E a textura dos tecidos dos sofás? E a decoração original nas paredes? Tudo objectos reciclados. Que delícia! Maria concordou. 
Partimos então na nossa viagem em direcção à piscina. Vi o olhar de aprovação da Maria a contornar a geometria desta. E eu como a havia imaginado, vazia de gente. Apenas a dita cuja, mesas e cadeiras e as habituais espreguiçadeiras como chamando pelo Verão. Ainda assim optamos por nos deitar nestas, aconchegando-nos nas quentes roupas da estação, de copo na mão e na boca. E foi aí que lhe disse:
 - Maria, estou preocupada com os miúdos. Muito, mesmo.
- Lá estás tu com as tuas coisas. Sempre a mesma exagerada. Se sabia que era para isto não tinha vindo. – disse-me ofendida.
- Calma, Maria! Calma! Só quero ajudar. Tu e o João não atinam mesmo. Pelo contrário, cada vez desatinam mais. Isto tem de dar uma volta, se não for pela vossa paz que seja pela dos vossos filhos. Por favor. – respondi-lhe, expondo-lhe o que me ia na alma.
- Lá estás tu. Que raios! Sempre a certinha do costume. Que queres que faça? Que o deixe fazer e dizer tudo o que quer? Nem no antes, nem no agora, nem no depois. Jamais, ouviste-me?
- Não te entendo, Maria. Não vos entendo. O mais importante para vocês devia ser a estabilidade emocional dos vossos filhos. Porra! Eles não têm culpa de nada. Ouviste? – desta vez gritei-lhe eu.
- Tu não percebes nada, mesmo nada de poder paternal dos tempos modernos. Que tristeza! – respondeu-me, totalmente dona das suas convicções.
- Pois não, Maria. Desse poder paternal que tu e o João professam não percebo mesmo. Estou, felizmente, out.- disse-lhe de coração.
Tão depressa me expressei, como depressa da espreguiçadeira se levantou, gritando:
- Vamos! Não recebo lições de moral de ninguém. 
Nem sei porque me esperancei. Quão ingénua me mantenho. Ela é, foi e será sempre assim. Pensamento circular em forma de piscina. O qual, como esta (junto às espreguiçadeiras e mesas), era ainda acrescido de estreitamentos, o que manifestamente também não ajudava ao desenvolvimento da conversa. Bem pelo contrário. Maria nunca mudará. Não ouve ninguém. Porque ainda perco o meu tempo com ela?
Enquanto nos dirigíamos para o carro, depois de largarmos os copos em cima de uma das mesas da piscina, ia falando com o meu íntimo: 
- Acorda! Chega! Há coisas que não consegues mudar. Aceita. Tu não és responsável pela vida dos outros. As crianças haverão de safar-se, como tantas outras. São mais resistentes do que pensas. Esquece. Trata da tua vida.
Emudecidas entramos no automóvel e assim seguimos viagem até casa dela. O silêncio apenas foi interrompido pelo violento estrondo causado pelo bater da porta provocado pela sua brusca saída. 
Deixei cair a minha cabeça sobre o volante e assim fiquei uns longos minutos, em que me auto-injuriei, vezes sem conta, de burra, burra, burra... até voltar a carburar de novo.

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