Histórias de uma guerra

Moçambique, 25 de Dezembro de 1961.





Querida Mãe:

Escrevo-te neste dia de Natal que coincide com o meu primeiro dia na Guerra. Sei que esta missiva não chegará a tempo de te fazer feliz. Sinto muito. Antes de eu partir, desafogavas chorosa as tuas mágoas. Bradavas aos quatro ventos a tua desdita, o teu filho primogénito ia para a Guerra do Ultramar. Vim para o desconhecido com o coração duplamente partido. Hoje só quero sossegar o teu. 
Mãe, o que me custou, foi a viagem de barco. Um mês que durou! Quero que saibas que desembarquei em Porto Amélia. Foi aqui que a Companhia de Artilharia 251 do Exército Português, pela primeira vez, pôs os pés em terra firme do Continente Africano. Os seus habitantes queriam que aí ficássemos. Ofereceram-nos a Consoada, mas o nosso Comandante não aceitou. Se o nosso destino era Nacala em Nampula, para lá nos devíamos dirigir, ordenou ele. Tive pena, confesso. Era um gente simpática e sempre comia as batatas com o bacalhau, matando assim um pouco as saudades de Portugal.
O nosso quartel em Nacala é um armazém de algodão de Ingleses, imagina!
Agora tenho de ir dormir. Escrevo-te amanhã como prometi.





Moçambique, 26 de Dezembro de 1961.

            
Querida Mãe:

Não comi, nem dormi nada esta noite. Fizemos greve ao jantar de duas bolachas.
Ouvi tiros e alguém a dizer que o Sargento já tinha morto várias pessoas. De manhã tive de fazer a ronda ao quartel para contagem dos mortos. Nem um, Mãe! Que alívio!
Agora vamos ao rio Lúrio encher os bidões de água para tomarmos banho. Espero poder conduzir o Unimog.
Já te vejo a  rir, Mãe. E fico tão feliz se o conseguir. Há aqui homens que lavam e passam a ferro, imagina! Chamam-lhes Mainatos
             Trago-te mais novas amanhã.
                                                                                   

                                                 Do teu filho querido, 

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