Prazeres


Abri a persiana e à minha frente os telhados dos prédios vizinhos. Entre eles e eu uma portada. Abro-a. Escuto o som de um intruso que, sem pedir licença, invade a minha zona de conforto. Arroga-se no direito de me balancear as roupas e acariciar o corpo. Perguntei-lhe quem se achava e com que poder o fazia; respondeu-me, em linguagem de assobio, ser representante da Mãe Natureza. Convencido, ousado e abusado! 
Bati-lhe com a porta na cara, coloquei-o no seu devido lugar. Voltei para a minha concha, onde me sinto segura, lugar não reservado a invasores. 
Deitei-me.
Ajeitei-me.
Recriminei-me. Não ouvi tudo o que tinha para me contar. 
De novo levantei-me e da portada aproximei-me. O meu olhar atravessou os vidros e  constatou que ele lá já não morava. Neles colei as minhas mãos, em jeito de o chamar. Mas nada! No seu lugar, feixes de um laranja avermelhado que me incendeiam. Não me importo com este usurpador. Deixo-me ficar, permito-me acalorar.
Que barulho é este lá fora? Bátegas dançam nos vidros da portada. Shiu! Quero ouvir a música e também bailar. Rodopio... rodopio e lá vou eu parar. Não resisto. Uma vez mais abro-a. Estendo os braços e deixo-me banhar. Encharcada, mas feliz, fecho a portada. Reclino-me no cadeirão. Fecho os olhos. Aconchego-me na minha bolha de água.
Desperto atordoada. Quem ousou mudar a faixa? Que toada é esta agora ? Não, desta vez, não me aproximo da vidraça. Raios, deu-me agora este temor! São só luzes e flashes daquela troada. Não fiques assim assustada! Não vês a viagem que já fizeste? Quem diz que para viajar é preciso sair de casa? Afinal tens o mundo à tua frente, apenas à distância da persiana e da portada do teu lar! Então, agora permite-te voar. 

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