Perspectiva

Um velho está sentado sozinho num banco de jardim, imerso no pensamento, alheio a tudo que o rodeia. 
O campo da sua visão prende-o ao mar,embalado pela correnteza da água que segue maré abaixo, maré acima. Nas suas mãos, as veias saltitantes chamam-no de volta a este mundo. Na sua face, cada ruga é uma história escrita da sua vida. Umas quantas, ele não se importa de partilhar. Outras quer fechar a sete chaves no armário do alheamento. É o que acontece com as suas mais recentes memóriasgeradas mesmo contra a sua vontade! E do nada, desata a falar sozinho:
Chata, o raio da velha! Já perdi a conta às vezes que me contou a mesma coisa. Sempre a repetir-se! Que canseira! A culpa é do anormal do doutor, meteu-lhe na cabeça que tem aquela doença do esquecimento. -lhe cá um jeito! Agora até sai para passear. A minha Ana diz que ela não sabe o que faz. Ai não sabe, não! Quer é passeio. Que vergonha, apanharem-na na rua à noite. Ontem foi fazer o jantar às três da tarde! Já não aguento! Depois ainda tenho de ouvir a Ana: “ Ó Pai, tens de ter paciência, a culpa é da doença. Ó Pai, não te esqueças de dar os medicamentos à MãeÓ Pai, faz tu o jantar.". 
É da doença, é?! Manias é que é!


- O problema, Sr. Dr., é que o meu pai não acredita que é maleita.- disse Ana.
Esta doença é difícil de aceitar, principalmente para pessoas mais velhas como ele.- respondeu o médico.
- Diz que a minha Mãe agora só quer é passear e quem lhe faça as coisas. Imagine!
Compreenda, é a forma que o seu pai arranjou de lidacom a doença.

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