Envelhecer

- Raios, aqui não! Era só o faltava! - desabafou.
Cada poro do seu corpo virara água corredia. O seu dorso transformara-se num rio alagado, a sua fronte numa cachoeira e as suas faces Verão no pino da estação.
- Merda, até para envelhecer temos de sofrer! - disse, suspirando.
Com a camisa ensopada, só queria que aquele pára-arranca terminasse. Já sabia de cor o que se lhe seguiria: iria secar na pele aquela roupa encharcada e o seu rosto mudaria para a estação de Inverno. 
Sentia-se a desfalecer. Olhou-se ao espelho retrovisor: estava pintada de um branco cadavérico.
- Quantos anos mais vou ter de aguentar esta bosta?! - gritou dentro daquele pequeno habitáculo, como se fosse do tamanho do mundo!
Estava farta, zangada com a medicina. Tinha corrido vários médicos e todos lhe disseram o mesmo: aguentar era a palavra de ordem. E ainda dizem que a ciência está desenvolvida! O tanas, é que está!  A medicação que existe é de elevado risco cancerígeno.  Fora isso, não há mais nada. E o nome? Irritava-a tanto! Insistia em decompô-lo, mas fazia-o de forma errada e, por isso, não lhe fazia sentido: Meno (Menor) + Pausa (Interrupção). O que tinha este estado, que vivenciava, de breve interrupção? Rigorosamente, nada!
- Respira fundo! Acalma-te! Tens de te levar (e a este veículo) a bom porto. E agora não podes parar. - ordenou a si própria.
Autocontrole – sentimento que o seu estado não lhe permitiu alcançar. Foi acordada pela travagem brusca que fez. Seguiram-se um coro de outras travagens. Repetidas e sucessivas batidas tornaram-se audíveis. Ela saiu do veículo, a camisa estava literalmente colada ao corpo, os cabelos como se os acabasse de lavar. Olhou incrédula para a cadeia de veículos amolgados. Este não era o final de  viagem que idealizara.

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