Acreditar

Naquele dia, acordou inquieta. Passou pela noite como se fora dia. O futuro, (ah) esse gigante ponto de interrogação, causava-lhe ansiedade. Mas não podia adiar mais o inadiável. Tinha de libertar o nó que lhe sufocava a alma. Afinal sabia-se mulher a quem o medo não ganhava batalha. Não queria acabar sem vida como os móveis do seu gabinete. Mas estes, pelo menos, tinham histórias para contar: os livros, as pessoas e as suas narrativas. Ela não. Sempre o mesmo rotineiro trabalho, economicamente pouco valorizado, com nível zero de reconhecimento.

- A sério?- perguntou-lhe Luís.
- Claro, Chefe. Acha que me daria ao trabalho de escrever uma carta de despedimento, se não tivesse intenções de me ir embora?- respondeu-lhe Maria.
- Teve uma proposta de um nosso concorrente?
- Não, Chefe.
- Ok, vou falar com a Administração para lhe darem um aumento.
- Não se dê ao trabalho. Não vale a pena.
- Então, Maria? Que se passa?
- Nada de especial. 
- Como não?
- Decidi trabalhar por conta própria.
- Vai-se associar a algum seu Colega?
- Não, Chefe. Tenho apenas um gabinete vazio à minha espera. E uma listagem sem clientes.
- Enlouqueceu, Maria? Vai trocar o certo pelo incerto?

Chegou cedo, envolta em receio pelo desconhecido. Abriu as janelas e entreabriu a porta da rua apondo-lhe, orgulhosamente, a placa de “Aberto”. Desejava confundir os batimentos do seu coração com os passos do seu primeiro cliente. Mas este não se apresentou naquele dia. Nem no seguinte. Nem nos que lhe seguiram. Por momentos duvidou de si, da decisão que tinha tomado. Receou que risco e trabalho não andassem de mãos dadas. Até que um dia, aquela porta abriu-se na sua plenitude e alguém perguntou pela Dra. Maria Reis. Foi o primeiro, de muitos, dos seus clientes. 


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