Coma profundo

O telefone tocava, teimosamente, em vão. 
- Deve estar no café com os amigos. Telefono-lhe amanhã.- disse Maria à irmã.
Na manhã seguinte o telefone tocou, insistentemente, de novo. Luís, não lhe deitava a mão, nem interrompia aquela irritante sonoridade. Maria confidenciou à irmã a sua preocupação. Inês sugeriu que uma vicinal fosse lá a casa. Com severa dificuldade a vizinha entrou pela janela, único local que encontrou entreaberto. Um cenário macabro foi o que viu: Luís estendido no chão da sala, cabeça inchada e marinada em fluido vermelho. A vizinha voou para contar à família, ligando às filhas. Uma delas estava próxima; não obstante, não se demoveu de imprimir ao seu automóvel velocidade vertiginosa. Lá chegada, só teve tempo de bloquear o  veículo e saltar para a ambulância. Mordeu os lábios para não chorar: o pai estava irreconhecível. Percebeu logo a gravidade. Diagnóstico: AVC hemorrágico. Coma profundo.
Os dias seguiam o seu trilho mas as notícias não eram animadoras: estado vegetativo. Os médicos reuniram com a família: só um milagre. 
Maria era crente, de uma crença tão fervorosa que não autorizou o desligar das máquinas. Orou todos os dias e a todos os seus Santinhos. E Luís um dia acordou: vinte anos depois e num estado de confusão mental. Perguntou onde estava. Pediu encarecidamente para não o levarem para um determinado hospital, onde dizia já ter estado na câmara frigorífica da morgue. Perguntou pela Daisy. Disseram-lhe que não tinha, ainda, aparecido. Contrapôs que nem iria aparecer, pois tinha-se encontrado com ela. Sabia-a morta. Disse ter revisto muitos amigos e pessoas conhecidas que já tinham partido. A equipa médica e família sentiram um arrepio transversal. Que histórias aquelas! E a convicção com que o dizia! Parecia tê-las vivido mesmo. Era algo realmente intrigante e, ao mesmo tempo, assustador. 

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