Memórias
Há alturas em que decidir é um acto de dor: quando outros já sentenciaram confinar-nos a um exíguo espaço. Sentença com força de lei.
Por isso, Rui pensava em como preencher o tempo. Decidiu-se por remexer o baú onde guardava as memórias da sua adolescência.
Sentado no chão, enfiou a mão, sem saber o que de lá surgiria - o tempo tinha-lhe assaltado a memória!
Sorriu ao ver espalhadas no chão tantas revistas de quadradinhos. Lembrou-se das suas preferidas: as do Pato Donald, claro!
Os seus dedos resvalaram nelas; a sua mente apanhou boleia da máquina do tempo. Ao reler aquelas histórias deu liberdade à sua imaginação, a qual lhe trouxe de volta o título e a narrativa da revista do dia:
“Oferece-se gratuitamente serviços de inspecção escolar ao domicílio”.
- Tio, que fazes na rua com esse cartaz? - perguntou Zezinho.
- Ofereço os meus serviços aos pais das crianças. Temos de ser solidários. Vou inspecionar quem está e quem não está a estudar.
- Mas, Tio, tu nem sequer podes andar por aqui.
- Não posso porquê? - perguntou no seu habitual mau humor.
- Porque deves estar em casa. Sozinho!
- Era o que vocês queriam. Boa vida, não era?
- Não, nós é que não podemos estar com pessoas da tua idade. Podemos passar-te o vírus e não queremos.
- Ai, podem?
- Claro, Tio! Apesar do teu mau feitio, nós gostamos muito de ti. Não queremos que fiques doente, não é, manos?
- Sim! - responderam em uníssono Luisinho e Huguinho.
- Vou ter saudades vossas, seus pestinhas!
- E nós tuas. Tive uma ideia! Dá-me o teu telemóvel. Vamos ensinar-te a fazer videoconferências. Assim já nos vemos e falamos.
- Vão-me ensinar o quê?
- Já vais ver. Tu aprendes fácil.
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