Insatisfação


O telemóvel tocou. No visor: Elisa. Maria não lhe deu atenção. Sabia que vinha aí uma verborreia de lamentações. Insistiram. Maria sentiu o chamamento da amizade e atendeu. 
Elisa: estatuto assumido de vítima. Dona e senhora dos queixumes. Convicta que esta roupagem lhe assentava bem - pudera! - era o única que conhecia. Achava que dava sempre tudo errado, que a vida estava - e muito - em dívida com ela. 
A amiga não concordava. Criticava-a pela sua busca constante da perfeição, por ela correr atrás do que não existia.
Elisa contrapunha: queria ter melhor tempo para ela, viver com tudo a que tinha direito. Achava mesmo que merecia mais da vida.
Maria indignava-se pela amiga querer o impossível: felicidade a toda a hora, o emprego ideal, saúde e relacionamento perfeitos. Elisa queria tudo perfeitinho. E já tinha tanto! E como não aproveitava! Maria não a compreendia. Defendia que se a vida nos sacode, devemos enfrentá-la com um sorriso. Se a vida nos desafia, devemos ir à luta. Se estamos vivos, se o sangue nos corre nas veias, então não nos lamentemos - vivamos!
Para Elisa, a posição da amiga era uma quase ofensa. Mas era-lhe impossível não desabafar. Era a forma que tinha de se sentir viva, o modo de se libertar das suas insatisfações. Esta era a sua busca pela felicidade, o seu despertar para a vida. Implorou-lhe compreensão, que se pusesse no seu lugar. 
Maria pensou: não, hoje, definitivamente, não! De repente, marimbou-se para o chamamento da amizade. Disse-lhe que estava a perder a ligação  e desligou a chamada.
Maria não se apercebera que eu, ao longe, estava a observar tudo. Comecei-me a rir - (acabava sempre assim). E disse-lhe: 
-  Já vi que a ligação caiu. Queres que te empreste o telemóvel? Tem rede e bateria. 




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