Porquê?

                                   
Onde foste beber a coragem?
Que força ignóbil foi essa que colocaste nas tuas mãos?
Como foste capaz de a transferir para o seu pescoço?
Diz-me: qual era a expressão dela quando a aplicaste?
Chorava?
Pedia-te para parares?
Chamava-te Pai?
Pedia desculpa?
Por favor?
Fechaste os olhos para não ver a sua expressão de dor?
Ou tinha-os bem abertos?
Era bonito o colar marcado na sua pele com que lhe adornaste a garganta?
O que sentiste ao ver a palidez instalar-se nela?
Nada, não foi?
E depois ao veres a cor arroxeada na sua face?
Nada, não foi?
E ao veres as suas pupilas dilatarem-se?
Nada, não foi?
E ao impedires as suas trocas gasosas?
Nada, não é?
O teu sentir evaporou-se ao ritmo do desaparecimento do oxigénio dela - ou nunca esteve lá sequer?
Não esteve, pois não? 
Onde deixaste os teus sentimentos?
Congelaste-os?
O que pensaste que estava a tua filha a fazer deitada dezenas de horas no sofá?
A dormir num total estado de hibernação?
Não te questionaste porque não saía de lá - nem sequer para se alimentar? 
Estaria a fazer alguma espécie de jejum pascal? 
Quando deste pelo seu corpo inerte, o que fizeste?
Levaste-o a passear, não foi? 
Cansaste-te ao fazer o transporte do seu corpo moribundo?
Levaste-a para a serra por acreditares que aí a oxigenarias?
Tapaste-a com arbustos para a protegeres da chuva?
Ou achaste que tinha frio de pijama?
Porque precisaste sempre de plateia - acaso sozinho tinhas medo? 
Que tal a ajuda de tantos voluntários na sua busca?
Divertiste-te ao vê-los na teu mentiroso jogo de caça ao tesouro?
Confessa: sentiste-te o maior, o mais inteligente, não foi?
E agora como te sentes na pele de um verdadeiro monstro?



  

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