A Despedida

  

Há dois meses que te mudaste para esta nova morada. O monitor regista os teus fracos batimentos cardíacos. Os teus braços pendem sem vida. O teu corpo veste apenas uma fralda. Os teus vizinhos vestem o mesmo que tu. E os corpos deles estão igualmente inertes. A vergonha que sentirias se te soubesses assim tão exposto. Logo tu que és tão cioso da tua privacidade!  

Tantos meses de silêncio fruto da tua ausência! Hoje permitiram-me visitar-te. Confesso-me: já não aguentava as saudades. Queria tanto ver o teu rosto! Mas é impossível. Cobre-o uma imensidão de fios e tubos.

Durante este tempo, os médicos telefonavam-me a dizer que estavas em estado comatoso. Não compreendi. Usam sempre estas palavras difíceis - nem sei o que pensar. Porque não me telefonaste tu? – eu queria tanto ouvir a tua a voz! Sei que não vai ser ainda hoje. Já te chamei várias vezes, mas tu: nada! Não respondes. Contei ao médico e ele disse-me que estavas em estado crítico. Mas eu quero é saber quando vens para casa. 

Mandam-me sair um pouco. Fico da parte de fora da sala encostada ao vidro. Vejo tantas pessoas à tua volta. Viram-te de costas. Não deves estar nada confortável: detestas essa posição. 

Vou entrar outra vez e chamar-te de novo - a ver se desta me ouves. Os médicos e os enfermeiros voltaram para trás. Estão ao teu redor. Oiço um som agudo contínuo. Parece vir do monitor que está atrás de ti. Vejo nele uma linha vermelha muito fina. Queria tanto saber o que se está a passar! Alguém te cobriu com um lençol. Já o deviam ter feito há mais tempo! Também achei que tinhas frio. Mas taparam-te a cabeça. Assim, não! Deste jeito nem consegues respirar.