A Carta que nunca escrevi.



Joana caminhava quando dos céus de Lisboa lhe caiu aos pés, o que lhe aparentou ser um boletim de voto, por estar dobrado em quatro, embora rasgado a meio.
Abriu-o e leu-o. Intitulava-se: “A carta que nunca escrevi”.
Por tanto o seu conteúdo lhe dizer, de imediato, Joana arrogou-se sua dona.
Mas alguém assim a teceu:
- “Há momentos como este, em que não vejo saída para esta encruzilhada a que chamo vida. Ela mudou, como mudam tantas outras, pela força do caminhar do tempo, o que a faz dar gigantes piruetas. Achava-me eu preparada para esta viagem, mas era mentira.
Olho-me e vejo-me: num momento solitário e numa cidade que não é a minha. E por mais que eu me contrarie, a escuridão regressou às minhas entranhas. Tudo voltou a ficar tão doloroso e sufocante.
Eu – neste agora - nada mais sou senão escuridão e dor.
Quem o diria vendo-me aqui sentada, neste dia de luz e calor incandescentes? Imaginando as minhas mãos quase tocando o céu, descendo e contornando o ferro bordado do elevador, como querendo adivinhar como foi feito. A minha cara quase esbarrando nas muralhas da cidade e os meus pés quase tocando o Tejo. Chego a senti-los molhados. Não pela sua água, mas por aquela que por mim escorre como castigo por envelhecer. Sinto o vento como meu aliado, querendo fazer frente àquela destilação.
E eu que apenas me queria sentir livre e feliz como as pombas que, em estilo de provocação, alegremente, esvoaçam à minha frente.
Penso então em construir uma ponte que una o elevador às muralhas, estas ao rio, e este, à altaneira esplanada onde me encontro, por onde eu possa caminhar - no sentido da glória - largando a espaços esta dor que me sufoca e a escuridão que me cega”.

Texto da Autoria de Lurdes Mesquita Babo

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