Once upon a time

Fui numa umbrática viagem ao pretérito passado.
Agraciei-me com tal realidade.
Vislumbrei-me no receptáculo inicial, um mundo aquoso e eu um feijão de exíguo tamanho. Vivia dos contínuos afagos que a minha progenitora distribuía sobre o seu próprio ventre e que balouçavam o meu ser. Foram os primeiros contactos que tive com um amor que não se explica, porque não tem como. Um amor incomensurável e incomparável. Uma permuta entre um amor maternal e o do seu rebento que se vivencia como uma dádiva, tal qual como o pulsar de um coração.
Só muitos anos depois consegui decifrar esse amor, quando nessa viagem evoquei o meu útero carregando, também ele, um embrião que virou gente.
Foi então que revivi os contínuos afagos, agora no meu ventre e distribuídos sobre o comando das minhas mãos, extensíveis - via cordão umbilical - àquele ser milagre. Recordei o facto do meu ventre ter virado mapa mundo em forma de bola e relvado de um campo de futebol em dias de dérbis, tantos foram os pontapés de jogadas que com enorme contentamento senti. Fui goleiro do tipo ave, tamanhos foram os golos que com prazer não defendi. Relembrei o número – infindável - de retratos pictórios que pintei daquele ser, ao sabor da minha imaginação e ao ritmo de crescimento do meu ventre. Um dia os olhos eram azuis; no outro castanhos ou verdes. Um dia os cabelos eram loiros e lisos, no outro castanhos encaracolados. Por vezes, aparentado ao pai, outras à mãe.
E um dia fiz luz. Desabrochou aquele pedaço de gente.
Então o mundo ficou maior: em número e amor. E melhor. E mais feliz.
Como foi (e é) bom e inesquecível.
Quanta felicidade (re)vivenciada a cada passo desta viagem.
Que deleite recordar que gerei vida e gerada fui.


Texto da Autoria de Lurdes Mesquita Babo

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