My Tattoo

Vou fazer uma tatuagem.

Resolução difícil mas tomada e definitiva. É que hoje em dia é tão raro encontrar alguém quem não tenha o corpo todo tatuado.
Interrogo-me:
- Será que elas o aquecem? Ou será que lhes aquecem a alma?
Tenho de matar esta curiosidade. Só assim deixarei de me sentir out, completamente démodé. E isto de não andar fashion faz-me sentir mais old. Não pode ser. Vou fazê-la. 
Mas quero uma que seja original... já que a vou fazer.
Hum...sei. Quero uma que retrate dois cubos de gelo, acabados de sair do congelador, mas dele retirados juntos.
O que acontece se assim os deixarmos ao ar?
Derretem-se, vero?
Quero assim a minha tatuagem.
Não deve ser fácil ao tatuador fazê-la, confesso. 
Mas é só assim que a quero.
E quero-a gravada na pele, bem por cima do meu coração.
Dois seres humanos, cada um dentro dos cubos. E o gelo destes derretendo-se. E a água deles escorrendo e envolvendo-os num longo e eterno abraço:
- De PAZ, AMOR, AMIZADE, TRANQUILIDADE, ACALMIA, TRANSPARÊNCIA.
Vou confidenciar-vos uma coisa:
- Estou tão cansada de ver desfilar cubos de gelo, daqueles que não derretem.
Pelo contrário, transbordam orgulho, superioridade.
Não se derretem pelos pais.
Não se derretem pela mulher.
Não se derretem pelo marido. 
Pasmem-se: NÃO SE DERRETEM PELOS FILHOS!
Não se derretem pelos animais.
Não se derretem pelos amigos.
Não se derretem pela namorada.
Não se derretem pelo namorado.
Não se derretem por NADA. 
Quão ridículos são.
Quão infelizes são.
Mas persistem: 
- Eles acima de tudo e o seu orgulho como companhia.
Orgulhosamente sós (e infelizes).
Assim, quando olhar para a minha tatuagem vou-me lembrar dos que derretem e agradecer por existirem. E vou pedir aos céus e aos deuses que o abraço se estenda aos gélidos, quiçá lhes quebre o gelo. Ou, pelo menos, lhes mostrem que esse não é o caminho.

Texto de autoria de Lurdes Mesquita Babo