SOLIDÃO.


Chamou-me logo à atenção na bilheteira da estação. Arfava aflição. Na fila fazia-se acompanhar de pesada bagagem. Olhava, frequentemente, para trás, em movimentos rápidos e contínuos. No seu olhar tinha escrito “pânico”. Tirou bilhete para o mesmo comboio que eu, o internacional, com destino a Paris. Viu-se grega para chegar à linha de tão carregada que ia. Pensei em oferecer ajuda. Decidi não o fazer. Queria perceber do que fugia. Segui-a. Cada passo que dava em direcção à linha do comboio, arrastando consigo as malas, era intercalado por aquele desassossego. Momentos em que os seus olhos saíam fora de órbita, como se fosse actriz principal de um filme de terror.
O comboio chegou.
Ela entrou na última carruagem. Entrei atrás dela, longe de imaginar a sua história. Percebi que não era a carruagem do seu bilhete. Também não era a minha. Iniciamos a procura da carruagem e dos lugares correctos. Mantendo-me atrás, apercebi-me que à medida que ela ia passando pelas “não” carruagens largava, ora numa, ora noutra, a sua bagagem pesada.
Que estranho, pensei.
Por ironia do destino a carruagem de ambos era a primeira, lugares face to face. Aí apenas tinha consigo uma pequena bagagem de mão. Estabeleci com ela um diálogo, assim ganhando a sua confiança. Não resisti. Questionei-a sobre aquele estranho comportamento. Assumia-se como estando plenamente só. Há muito, de facto, que já assim seria. Queria também ter a certeza que ninguém a seguira para não ser encontrada. O despojar da bagagem significava libertar-se do peso da responsabilidade que durante muitos anos carregou em nome de outros, mesmo não lhe pertencendo. Naquele momento, seguir viagem para o desconhecido, apenas com uma mala de mão, revelava que a partir dali, só ela era responsabilidade sua.
Os fardos tinham ficado – definitivamente – para trás.
Agora apenas ela contava.




                                                        Texto de autoria de Lurdes Mesquita Babo



Comentários

  1. Muito obrigada. Se seguir o blogue no Facebook Lu-ar que se me deu, em breve serão acusados da data de lançamento do meu primeiro livro no Porto e em Lisboa, para já. A capa já a pode ver lá. Bem-haja.

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