Imperdoável

        Cinquenta anos, óculos na ponta do nariz, estatura baixa, magra, vestido em xadrez escocês por baixo do joelho, cinto largo, meia de vidro e pasta na mão. Pelos corredores era audível o bater apressado dos seus tacões. Rotina diária de quem cumpre religiosamente a sua vocação. 
Margarida colocou a sua mão direita na porta semi-cerrada da sala e abriu-a. Lá dentro, a balbúrdia habitual das crianças do 4.º ano de escolaridade. Acompanhava-as desde o primeiro ano e eram sempre assim. Logo, no primeiro dia de aulas, disse-lhes: aguardam pela minha chegada sentados, calados, virados para a frente. Quando abrir a porta da sala de aula não quero ouvir nem um ai, perceberam?, “Sim, Sra. Professora”. Tantas vezes o repetiu! Mas os danados nunca cumpriam com o prometido. E as aulas que caminhavam para o fim! Entretanto, já lá iam quatro anos de incumprimento. Imperdoável!
Assim, nos vossos lugar e em silêncio, quando eu entrar na sala dizem todos “Bom Dia” ou Boa Tarde, Sra. Professora”. E eu respondo-vos de igual forma. Compreenderam? Está bem, está! Compreender até podiam ter compreendido. Mas colocar em prática? Isso é que não. Quatro anos a dizer o mesmo para nada. Que frustração! Imperdoável!
O cenário era sempre igual, ainda que de manhã. Ninguém sentado. Uns a correr, outros atiravam papéis, as mesas e cadeiras desorganizadas. Mas assim que avistavam Margarida, era vê-los parar de imediato na posição em que estavam. Pareciam uns soldadinhos de chumbo descoordenados. Meninos de coro cumprimentando-a em uníssono. E esta respondendo-lhes ao cumprimento e dizendo-lhes: Arrumem tudo e vão para os vossos lugares, imediatamente!
 Eles obedeciam, arrumavam e sossegavam. O que dava um nó na cabeça daquela professora. Porque nunca o consegui? O insucesso só podia estar nela. Imperdoável, Margarida, falhares na educação do futuro do teu país, imperdoável. 

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