Ame-me como sou


Naquele dia conversaram. As palavras fluíam. A conversa jorrava. Pudera! Era um tema tão costumeiro para ambas. 
Não que antes já não se tivessem cruzado. Inúmeras vezes isso havia sucedido ou não frequentassem os filhos a mesma escola. Mas eram duas mulheres despidas de tempo, mesmo depois de os deixarem no colégio. A doença dos filhos preenchia-lhes – segundo a segundo – cada dia. Aquela maleita exigia-lhes horário completo, trabalho suplementar e nocturno! Doavam-lhe o corpo e a alma e, ainda assim, não era o bastante. E era doloroso, para além de q.b.. 
Autismo” era a enfermidade. “Isolamento” a palavra-chave. “Combate” a ordem de comando.
Enquanto falavam, com os olhos, cobriam-nos de amor maternal. 
Eles estavam sentados no chão, ausentes, balanceando-se vigorosamente. Cada um preso ao seu infinito, na sua ilha de isolamento. 
Maria confidenciava que Luís já tinha nascido autista. Já Isabel contava que Mariana, aos dez anos, tinha sofrido violentas convulsões e, só após esse período, a doença tinha-lhe sido diagnosticada.
Não obstante, Mariana tinha enorme capacidade para as danças de salão. A família ao aperceber-se disso investira na sua formação. Agora Mariana era campeã nacional no seu escalão. Aprendia com uma facilidade impressionante os esquemas de cada dança, apresentando uma enorme graciosidade e fluidez quando dançava.  
Por sua vez, Luís demonstrava uma especial sensibilidade para a música. Os pais decidiram apoiá-lo, proporcionando-lhe a frequência de aulas de piano. E era um deleite vê-lo tocar! Ele e  música: que combinação perfeita!
Os dois eram autistas savants. 
Eram - de facto - especiais. 
E as suas mães tinham um orgulho desmedido neles. 
Enquanto carpiam as suas mágoas e enalteciam os seus filhos foram surpreendidas pelo roubo de um beijo de Mariana a Luís. 
Elas entreolharam-se, sorrindo, registando esse emocional momento.
Significaria aquele inocente beijo que finalmente estavam a sair da ilha?

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