Interesses
Era um dia em que as portas dos gabinetes do departamento batiam mais do que habitualmente e as salas de reuniões estavam mais vezes ocupadas: indícios dos tempos vividos, uma lufa-lufa constante.
Miguel ocupava um dos habitáculos com pouco mais de vinte metros quadrados, gélido, impessoal e repleto de materiais até à medula: reagentes sólidos e líquidos, cadeiras e mesas de trabalho, armários desde o chão até ao teto, tubos de ensaio, balanças, balões, pipetas e microscópios. Vestia bata branca, envergava touca, luvas, máscara e óculos. Nada o distraía. A sua concentração dividia-se entre o microscópio e os resultados dos ensaios. A dada altura levantou-se: ar de espanto gravado na sua face, reforçado pelas mãos que levava à cabeça, olhar de incredibilidade e expressão de eureka! Não acreditava! Voltou a reanalisar tudo e concluiu que tinha criado, com as suas próprias mãos, a solução para a doença da moda. Era um segredo que não podia guardar só para si. Por isso, ligou para a secretária, pediu uma reunião urgente com o diretor do departamento do laboratório farmacêutico e com ele partilhou a notícia. Estranhamente o diretor não comungou da sua felicidade. Miguel quis saber porquê.
- Esqueça! Não vai querer saber.
- Claro que quero! – argumentou Miguel.
- Interesses, Miguel, interesses.
- Então não é importante evitar a propagação da doença?
- Não se trata do que é mais importante, mas do que é mais rentável, Miguel!
- Como? Não entendo!
- Miguel, dedique-se à investigação do medicamento, registaremos a patente e depois vendemo-lo.
Miguel continuava sem compreender.
Mas o Chefe replicava:
- Miguel, aprenda! A vacina previne a doença. O medicamento não cura, mas trata. O que acha que é mais vantajoso para a empresa? Volte ao trabalho, Miguel e regresse só quando descobrir a fórmula química do medicamento.
Tristemente real e atual...
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