Loucos que estamos

  

São dezoito horas. Nos apartamentos contíguos ligam-se as luzes. Quem dera iluminassem as nossas mentes com lampejos de bom senso e boa-fé. Assim não teríamos que assistir a tantos desvarios.

A rua escurece – mais ainda. Está um verdadeiro dia de inverno. Li no jornal que a causa é uma depressão atmosférica de origem masculina. Dentro dos lares, doutro tipo, ela também existe provocada pelo confinamento. Ninguém lhe está imune. Não escolhe género ou idade, sendo-lhes transversal. 

Enclausurada em casa, apraz-me o som da chuva quando esta dança na rua; cega-me o vazio de gente. Noto que não oiço os rodados no pavimento molhado. Claro, agora não há carros! Aliás, não escuto nada! Quanto silêncio! É uma quietude dolorosa. É uma paz fétida. Uma serenidade ávida de vida. É a nostalgia da alegria e da liberdade. Sobeja o barulho da tempestade. E o vento enfureceu-se tanto que, imaginem, a vizinha incomodou-se com o ruído do toldo da varanda. Gente chata! Gentinha! Mandou dizer que o abrisse, faria menos alarido assim. Ainda por cima é burra! Acaso não vê que o vendaval o transformaria num perigoso objeto voador. Que se dane a vizinha! - e as suas coisinhas mesquinhas.

            Pela chaminé do prédio liberta-se fumo branco. O meu olhar fixa-se lá. E penso: quid habemus? Habemus Papam? Não, habemus vaccinum! E habemus corrupção, em modo moderno de fura-filas e desigualdade na sua entrega. E temos em míngua: ética, moral, igualdade e humanidade. Olho através da vidraça e vejo o quanto que chora o céu – serão lágrimas de todos nós? Reparo que o leito do rio abraça as suas margens – louco que está com saudades de afetos. Loucos que estamos!

 

 

 

 

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