Crónica de uma consulta externa num hospital público português.




Em dias como aquele, dentro de Joana, apenas existiam montanhas e rios de revolta.
Era sempre assim.
Ou antes, a cada consulta médica, era cada vez era pior.
Mas Joana forçou-se, levantou-se e foi sozinha; como habitualmente.
Aquelas idas ao hospital, às consultas externas estavam a ficar cada vez mais insuportáveis.
A ponto de deixar a sua mente incapaz.
Pegou no seu carro e dirigiu-o ao parque de estacionamento situado ao lado do hospital. Não sem que se enganasse no caminho que ele conhecia de cor.
Antes de entrar no pavilhão improvisado para o efeito cruzou-se com um doente, sozinho, sentado no passeio, debaixo de um sol brilhante e abrasador, pedindo ajuda em forma de moedas para os evarestes de problemas das suas pernas e que o impediam sequer de se movimentar.
Joana – perante aquele quadro da vida real - sentiu-se menos que nada. Abriu a carteira, tirou uma moeda das grandes e ao mesmo tempo que lhe sorriu, entregou-lha. Sorriso de quem o compreendia bem.
Se bem que o seu  pan-hipopituitarismo não era nada comparado com os casos da vida real que se lhe perfilavam à medida que caminhava em direcção ao pavilhão onde era a sua consulta.
Aí chegada dirigiu-se - como sempre - à sala de enfermagem onde estavam três enfermeiros em amena cavaqueira.
Joana pediu desculpa por os interromper.
De imediato foi questionada se já tinham chamado pela respectiva senha.
Contrapôs:
- Para enfermagem não é habitual fazerem-no.
Ah, o sistema tinha mudado. Mas os doentes não foram informados. Seriam dados à adivinhação?!
Joana aguardou plena de obediência àquele serviço, uns meros segundos, os bastantes para se sentar e levantar duma cadeira.
Apesar de a sua senha ter sido chamada, antes de entrar, Joana bateu à porta e perguntou aos enfermeiros se o podia fazer.  Autorizada que foi, entrou, fizeram-lhe o procedimento habitual e obrigatório. Joana ainda agradeceu por isso.
Nova chamada da sua senha, desta feita para o consultório médico.
De novo bateu à porta.
Depois de entrar estendeu a mão para cumprimentar o Ex.mo Sr. Dr.
Obteve como resposta que ali não havia lugar a cumprimentos.
Pediu desculpa, outra vez.
Embora, no seu íntimo, se tenha interrogado:
- Ok, isto é um hospital, mas eu estou numa consulta de endrocrinologia, isto é mesmo necessário?!
O médico entregou a Joana as análises que esta tinha feito no mês anterior e perguntou-lhe sobre a medicação que estava a fazer.
Joana relatou-lha; uma a uma.
Delicadamente decidiu perguntar ao  médico sobre o resultado das suas análises.
O Sr. Dr. respondeu-lhe:
- Confirma-se que a sua hipófise não funciona. É vital que tome a medicação. Quer que lha passe?
Como?!- Pensou Joana. É vital que tome a medicação e pergunta-me se eu quero ter o receituário na minha mão para a poder comprar?!
Sim, Sr. Dr., agradeço imenso o favor de me passar as receitas- respondeu Joana.
O Dr. fê-lo; mas esqueceu-se de um dos medicamentos vitais.
Joana não reclamou; de certo arranjará quem lhe passará a receita, afinal é um medicamento vital.
O médico agendou nova consulta externa, para o próximo ano.
Joana saiu do gabinete, não sem antes se despedir, dizendo-lhe :
- Boa tarde, Sr. Dr. muito obrigada e boas–férias.
Não deve ser contagiante, pois não?!


Texto de autoria de Lurdes Mesquita Babo

Comentários

  1. Uma história bem contada. Não já insólita porque estas situações se repetem frequentemente, embora o contrário também exista ainda que com poucas narrativas

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