AMOR PARA A VIDA INTEIRA


Viviam na mesma aldeia.
Andavam na mesma escola.
Juntos faziam o mesmo percurso até aí chegarem.
Aliás faziam tudo juntos, desde a infância até à adolescência.
Brincavam juntos, tantas eram as brincadeiras produto da sua imaginação e que os levava a esvoaçar sonoras e saborosas gargalhadas.
Eram também cúmplices nas partidas que pregavam.
Coligados iam até à velha escola, por vezes, mãos dadas, bem pela berma da estrada fugindo do perigo, como que adivinhando o futuro.
Estudavam juntos –  frente a frente – na velha mesa da cozinha da Maria.
E assim foram crescendo – Maria e Francisco (ou Chico como era apelidado) – juntos também.
Até que um dia, na desnutrida mesa da cozinha, travestida de escolar, já não eram os trabalhos escolares que aí os fixavam, mas os olhares de ambos, envergonhados quando se cruzavam e – de imediato – se desviavam, como antevendo a impossibilidade futura de tal cruzamento.
Seguiram-se os toques de mãos – mascarados de casuais.
Maria e Chico cresciam; a adolescência entrava-lhes corpo adentro, luta violenta de hormonas que não lhes apagava o desejo – pelo contrário – aumentava-o.
Já não eram só as mãos dadas, os olhares que se cruzavam, mas os lábios e os corpos que se colavam, em forma de ode ao amor.
Só que, as classes sociais de ambos não eram poéticas – Maria era filha dos empregadores da mãe de Chico.
Descoberto o amor entre ambos, esta foi – literalmente – corrida de casa de Maria, levando de arrasto Chico, jovem adolescente fervendo de amor por Maria, cujas lágrimas não foram suficientes sequer para o apagar.
E Maria chorosa e desgostosa ficou.
E assim as – então (e ainda atuais) – classes sociais rasgaram, sem remorsos, para sempre dois jovens corações apaixonados.
A família de Chico foi-se então embora da aldeia, na desesperança de encontrar uma terra de igualdades de oportunidades.
A história que se segue já a conhecem de cor: Maria casou com um homem que não amava e Chico casou com uma mulher de quem não gostava.
Ambos tiveram filhos e embora não um com o outro, amam-nos como se o fossem.
E o impossível aconteceu.
Cinquenta anos se foram e ao passarem um pelo outro, numa rua das muitas deste País, pararam. Face to face – o reconhecimento foi imediato.
E o sentimento?
Ai... esse foi avassalador como se – uma simples borracha – apagasse os cinquenta anos decorridos.
Os mesmos olhares, os mesmos sorrisos, os mesmos batimentos cardíacos.
Os pais de Chico e Maria – infelizmente – já partiram.
Já não são mais a barreira daquele amor.
Mas existe outra forma de impedimento deste amor, ainda bem vivo.
A mulher, os filhos de Chico e ... os netos.
Como existe o marido, os filhos de Maria e ... os netos.
Quisera eu que este amor tivesse um final diferente.
Mas não teve.
Não pode tê-lo – uma vez mais.
Seriam demasiados corações sacrificados para a união de dois.
Quem disse que a vida é justa? 


Texto de autoria de Lurdes Mesquita Babo

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