Justiça Cega





Não acredito em ti ó justiça cega, exclamou ela em voz alta.
Indignada, levanta-se retirando, apressadamente, um processo do armário.
Senta-se. Abre-o. Divide-o. Abana firme e fortemente a cabeça, como quem não percebe o que o seu olhar alcança, nem o que está para lá dele. Observa-o mais uma vez. Mas não entende. Afinal trata-se do mesmo processo e cinco decisões judiciais diferentes?!
Pensa: como as vou explicar àquele filho, então um inocente menor, hoje quase nada maior e que assistiu ao atropelamento (que virou morte) da sua mãe em plena passadeira?!
Olha, miúdo, no Ministério Público arquivaram o processo porque não servias para testemunha, eras filho.
Olha, miúdo, a Juiz de Instrução acreditou em ti, afinal tu viste o que viste, a tua mãe foi mesmo atropelada na passadeira.
Olha, miúdo, no julgamento, o tribunal não acreditou em ti. Sabes, a tua versão não é credível, tu não viste a tua mãe morrer numa passadeira com o semáforo verde: foi ilusão ótica tua. O sinal para peões estava vermelho, mesmo que mais ninguém o tenha visto. Esquece.
Olha, miúdo, os Juízes Desembargadores sem porem em causa a douta sapiência do julgador (ai de quem!) relevaram o facto da tua mãe morrer quando concluía a travessia da passadeira, a responsabilidade mor foi do condutor do automóvel. 
Sorry, miúdo, mas a decisão final é dos Juízes supremos e eles acharam exatamente o contrário.
No momento em que ela lhe diz isto, os olhos daquele filho, tornam-se um mar revolto, inundam-se de uma tristeza infinita e inundam a certeza e segurança jurídicas em que ela acreditava e que lhe haviam ensinado dever existir.
Afinal é tudo mentira. 
Miúdo para ti, como para ela, foi-se a oportunidade de acreditar na justiça, como se foi a tua mãe. 
Perdoa a partida. 
Desculpa a cegueira.

Texto da autoria de Lurdes Mesquita Babo




Comentários

Enviar um comentário

Mensagens populares